Depois de ter conseguido alcançar um consenso para suspender a Venezuela do Mercosul, em dezembro passado, os governos do Brasil e da Argentina querem fazer uma limpeza ainda mais profunda e preparar o bloco para avançar em negociações externas que ajudem seus sócios a enfrentar os novos desafios da economia global. A ideia, disseram ao GLOBO fontes dos governos dos dois países, é tornar mais ágil, dinâmico e flexível o processo e impor uma agenda mais pragmática e menos política.
Este caminho começará a ser traçado amanhã, com a chegada a Brasília de altos funcionários da secretaria de Comércio da Argentina, e, na próxima terçafeira, do ministro da Produção do país, Francisco Cabrera. Os negociadores brasileiros e argentinos levarão propostas de acordos aos presidentes Michel Temer e Maurício Macri, que se reunirão no dia 7 de fevereiro, no Palácio do Planalto.
Macri vai a Brasília a convite de Temer. Segundo fontes argentinas, o presidente brasileiro pediu a seu colega argentino que o visite, já que precisa de um mínimo respaldo internacional em meio à crise política brasileira.
ACORDO COM A UNIÃO EUROPEIA
Já o chefe de Estado argentino, que aceitou imediatamente o convite, quer aproveitar a oportunidade para fechar uma posição única com o Brasil em relação à agenda interna e externa do Mercosul. Depois disso será mais fácil incluir Paraguai e Uruguai. A Venezuela já é carta fora do baralho.
A viagem de Cabrera e dos negociadores da secretaria de Comércio foi marcada às pressas, semana passada.
— Foi tudo muito corrido. O telefonema de Temer acelerou os tempos — admitiu uma fonte argentina.
Sem a Venezuela no bloco, a quem consideram um incômodo vizinho, Brasil e Argentina discutem o relançamento de um Mercosul mais pragmático e menos político. A ideia é promover uma limpeza no excesso de regulamentações e barreiras tarifárias, fitossanitárias e técnicas no comércio entre os quatro sócios da união aduaneira, hoje tão cheia de falhas. Por exemplo, automóveis e açúcar continuam tributados com elevadas tarifas de importação e, portanto, não fazem parte da Tarifa Externa Comum (TEC), usada no comércio com terceiros mercados.
A ordem é “arrumar a casa” ao longo de 2017 para que, em 2018, o bloco possa conseguir fechar acordos de livre comércio não apenas com a União Europeia, mas também com Canadá, Japão, Comunidade Africana.
— Queremos que esse entendimento que está sendo conduzido em nível técnico seja concluído este ano. Até porque em 2017 tem eleições na França e da Alemanha — explicou uma importante fonte do Itamaraty.
— Tentar resolver os problemas do Mercosul é sempre uma coisa desejável, sobretudo quando estão juntos apenas os sócios do Mercosul original (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) — disse o ex-embaixador do Brasil em Buenos Aires José Botafogo Gonçalves.
Para Botafogo, que participou diretamente das negociações para a criação do Mercosul, em março de 1991, em Assunção, no Paraguai, o bloco precisa aproveitar o fato de ser bastante competitivo no agronegócio e melhorar suas exportações. No campo industrial, a união dos quatro países poderia transformar a região em um polo de produção e exportação de manufaturados.
— O Mercosul precisa se unir, para vender para o mundo — disse.
Luiz Augusto de Castro Neves, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), afirma que o comércio brasileiro com os demais países do bloco está praticamente estagnado. E o excesso de barreiras, somado à falta de conclusão de uma série de acordos, prejudica o andamento do bloco.
— Há uma série de coisas a serem feitas, incluindo a harmonização legislativa e estatística — disse Castro Neves.
Na opinião de economistas argentinos, hoje existem condições objetivas para que o Mercosul saia da paralisia dos últimos anos.
— As políticas econômicas são similares, ambos os países querem uma economia mais integrada, captar investimentos, estão na mesma sintonia — apontou Dante Sica, diretor da empresa de consultoria Abeceb e ex-secretário da Indústria.
Ele lembrou que Brasil e Argentina têm hoje câmbio flexível e metas de inflação, entre outras semelhanças importantes em termos econômicos.
— Temos, principalmente, confiança, algo que tinha se perdido entre os governos de Dilma Rousseff e Cristina Kirchner — frisou Sica.
EFEITO TRUMP
Ainda em relação às negociações internacionais, a avaliação dos governos dos dois países é que o desembarque de Donald Trump na Casa Branca e sua agressiva agenda protecionista poderiam favorecer o Mercosul em suas negociações externas, por exemplo, com a União Europeia (UE).
Em 2016, o Brasil teve um superávit de US$ 4,3 bilhões no comércio com a Argentina. Os principais produtos vendidos para aquele país foram automóveis, tratores e minérios. Já as importações de bens argentinos tiveram como carros-chefe veículos, trigo, malte e milho. Os dois países competem em algumas áreas, como siderurgia, calçados e carnes em geral.